Analisaremos neste fichamento a importância, as características dos estudos culturais britânicos, o legado que deixaram. Para isso observaremos visões de grandes estudiosos como John Fiske, Grossberg e Raymond Williams, comparando-os com questões defendidas pela Escola de Frankfurt, relações e diferenças. Para isso, entra novamente a análise das relações de poder, onde não pode-se deixar de citar Michel Foucault.
Os estudos culturais britânicos surgiram nos anos 1960 como um projeto da abordagem da cultura a partir de perspectivas críticas e multidisciplinares que foi instituído na Inglaterra pelo Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies e outros. Os estudos culturais britânicos situam a cultura no âmbito de uma teoria da produção e reprodução social, especificando os modos como as formas culturais serviam para aumentar a dominação social ou para possibilitar a resistência e a luta contra a dominação. A sociedade é concebida como um conjunto hierárquico e antagonista de relações sociais caracterizadas pela opressão das classes, sexos, raças, etnias e estratos nacionais subalternos.
Os discursos culturais podem ser distinguidos dos discursos e das teorias idealistas, textualistas e extremistas que só reconhecem as formas lingüísticas como constituintes da cultura e da subjetividade. Os estudos culturais, ao contrário, são materialistas porque se atêm às origens e aos efeitos materiais da cultura e aos modos como a cultura se imbrica no processo de dominação ou resistência. Como as relações econômicas e de capital desempenham papel fundamental na estruturação das sociedades contemporâneas, o marxismo desempenhou importante papel desde o começo dos estudos culturais.
Os estudos culturais, portanto, assim como a teoria crítica da Escola de Frankfurt, desenvolvem modelos teóricos do relacionamento entre a economia, o Estado, a sociedade, a cultura e a vida diária, dependendo, pois, das problemáticas da teoria social contemporânea. Subvertem a distinção entre cultura inferior e superior e, assim, valorizam formas culturais como cinema, televisão e música popular, deixadas de lado pelas abordagens anteriores, que tendiam a utilizar a teoria literária para analisar as formas culturais ou para focalizar sobretudo, ou mesmo apenas, as produções da cultura superior.
A inovação dos estudos culturais britânicos, então, consistiu em ver a importância da cultura da mídia e o modo como ela está implicada nos processos de dominação e resistência. O conceito de “cultura de massa” também é monolítico e homogêneo, portanto neutraliza contradições culturais e dissolve práticas e grupos oposicionistas num conceito neutro de “massa”.
No entanto, rejeitaríamos a expressão “cultura popular”, que John Fiske e outros expoentes dos estudos culturais contemporâneos adotaram sem problematizar. O termo “popular” sugere que a cultura de mídia provém do povo. Da maneira como é usada por Fiske, Grossberg e outros, a expressão “cultura popular” destrói a distinção entre cultura produzida pelo povo, ou pelas “classes populares”, e a cultura da mídia produzida para as massas, deleitando-se assim num “populismo cultural” que muitas vezes celebra de modo acrítico a cultura da mídia e de consumo.
Mesmo o vocabulário dos estudos culturais é contestado, não havendo acordo em torno dos termos básicos usados para descrever seu campo.
Adotamos o conceito de “cultura da mídia” para descrever o tema de nossas investigações. A expressão “cultura da mídia” tem a vantagem de designar tanto a natureza quanto a forma das produções da indústria cultural e seu modo de produção e distribuição. Com isso, evitam-se termos ideológicos como “cultura de massa” e “cultura popular” e se chama a atenção para o circuito de produção, distribuição e recepção por meio do qual a cultura da mídia é produzida, distribuída e consumida.
A “comunicação” é mediada pela cultura, é um modo pelo qual a cultura é disseminada, realizada e efetivada. Não há comunicação sem cultura e não há cultura sem comunicação; por isso, traçar uma distinção rígida entre ambas e afirmar que um dos lados é objeto legítimo de um estudo disciplinar, enquanto o outro é relegado a uma disciplina diferente, constitui um excelente exemplo da miopia e da futilidade das divisões acadêmicas arbitrárias do trabalho.
A cultura da mídia é também o lugar onde se travam batalhas pelo controle da sociedade.
A partir da década de 1960, os estudos culturais britânicos começaram a mostrar como a cultura da mídia estava produzindo identidades e maneiras de ver e agir que integravam os indivíduos na cultura dominante.
O foco dos estudos culturais britânicos em qualquer momento foi mediado pelas lutas da conjuntura política da época, e seu principal trabalho foi então concebido na forma de intervenções políticas. Seus estudos de ideologia, dominação e resistência, e política cultural orientaram os estudos culturais para a análise das produções, práticas e instituições culturais dentro das redes existentes de poder, mostrando como a cultura oferecia ao mesmo tempo forças de dominação e recursos para a resistência e a luta.
Focalizar apenas textos e públicos, excluindo a análise das relações e instituições sociais nas quais os textos são produzidos e consumidos, trunca os estudos culturais tanto quanto a análise da recepção que deixe de indicar o modo como o público é produzido por meio de suas relações sociais e como, até certo grau, a própria cultura ajuda a produzir os públicos e a recepção destes aos textos.
A valorização incondicional da resistência do público a significados que gozam da preferência geral, como o bom em si, pode conduzir ao elogio populista acrítico do texto e do prazer público no uso das produções culturais. Essa abordagem, se levada ao extremo, perderia a perspectiva crítica e conduziria a uma interpretação positiva populista da vivência que o público tenha de qualquer coisa que esteja sendo estudada.
Acompanhando o fetichismo da resistência vem o fetichismo da luta. Os modos de dominação se fecham, e a resistência e a luta se despolitizam e se tornam inofensivas, criando-se assim um ideologia da “cultura popular” perfeitamente congruente com os interesses do poder vigente. Tal “resistência” de fato não desafia as estruturas existentes de poder, não altera as condições materiais e não melhora as estruturas de opressão daqueles que “resistem” produzindo significados e prazeres no domínio da “cultura popular”.
O prazer em si não é natural nem inocente. Ele é aprendido e, portanto, está intimamente vinculado a poder e conhecimento. Desde Foucault, passou-se a admitir que o poder e o conhecimento estão intimamente imbricados, e que o prazer está vinculado a ambos.
Os prazeres muitas vezes são uma resposta condicionada a certos estímulos; por isso, deve ser problematizado, ao lado de outras formas de experiência e comportamento, perguntando se contribuem para a produção de uma vida e uma sociedade melhores ou se ajudam a nos prender nos laços de uma vida cotidiana que, em última análise, nos oprime e degrada. Resistência e prazer não pode, portanto, ser valorizados em si como elementos progressistas da apropriação dos textos culturais, mas é preciso descrever as condições específicas que dão origem à resistência ou ao prazer em jogo e a seus efeitos específicos.
Os primeiros estudos culturais queriam equilibrar o ideológico e o resistente, o hegemônico/ dominante e o opositor. Essa forma de estudo cultural, portanto, tenta superar a divisão entre teoria de manipulação, que vê na cultura e na sociedade de massa em geral meios de dominação dos indivíduos, e a teoria populista da resistência, que enfatiza o poder que os indivíduos têm de opor-se, resistir e lutar contra a cultura dominante.
Devemos tentar evitar as abordagens unilaterais da teoria da manipulação e da resistência, preferindo combinar essas perspectivas em nossas análises.
A Escola de Frankfurt foi excelente ao traçar as linhas da dominação na cultura da mídia, mas foi menos sagaz para trazer à tona momentos de resistência e contestação. No entanto, sempre situou sua análise da mídia e do público no âmbito das relações existentes de produção e dominação, ao passo que muitos estudos de público e recepção frequentemente deixam de situar a recepção da cultura no contexto das relações sociais de poder e dominação. Além disso, nos estudos culturais existem abordagens centralizadas no texto que se ocupam de leituras teorizantes dos textos sem considerar sua produção, sua recepção ou sua ancoragem numa organização institucional da cultura que assume várias formas em diferentes países ou regiões e em diferentes momentos da história = o que equivale a dizer que as abordagens textualistas muitas vezes evitam o estudo da produção da cultura e da sua economia política e mesmo de seu contexto histórico.
Raymond Williams, umas das influências determinantes dos estudos culturais britânicos, instigava a um “materialismo cultural”, à análise de todas as formas de significação no âmbito de seus meios e condições reais de produção, dando atenção à necessidade de situar a análise cultural em suas relações socioeconômicas. A maioria dos mais recentes estudos culturais tende a negligenciar as análises dos circuitos da economia política e do sistema de produção em favor de análises centradas no texto e no público.
Além disso, há o perigo de os estudos culturais realizados em vários países do mundo perderem o cunho crítico e político das primeiras formas dos estudos culturais britânicos.
A produção da mídia está, portanto, intimamente imbricada em relações de poder e serve para reproduzir os interesses das forças sociais poderosas, promovendo a dominação ou dando aos indivíduos força para a resistência e a luta. Mas o materialismo cultural também focaliza os efeitos materiais da cultura da mídia, insistindo em que suas imagens, espetáculos, discursos e signos exercem efeitos materiais sobre o público.