Continuaremos nossa pesquisa pelo universo da comunicação de massa e, a partir da análise dessas teorias antigas, termos suporte e base para entender as posteriores, e o estilo, padrão da comunicação contemporânea.
Os fatores ligados a mensagem
Aquilo que se conhece sobre determinados assuntos influencia claramente as atitudes a eles referentes, assim como as atitudes em relação a determinados temas influenciam, naturalmente, o modo de estruturar o conhecimento em tomo deles e a quantidade e a sistematização da nova informação que sobre eles se adquire.
Trata-se, pois, de duas tendências operacionalmente distintas, mas conceptualmente associadas.
Quatro fatores da mensagem: a credibilidade da fonte, a ordem da argumentação, a integralidade das argumentações e a explicitação das conclusões.
a) A credibilidade do comunicador
A reputação da fonte é um fator que influencia as mudanças de opinião susceptíveis de serem obtidas na audiência, a falta de credibilidade do emissor incide negativamente na persuasão.
Um estudo de Hovland e Weiss (1951) procura precisamente verificar se mensagens com os mesmos argumentos, mas atribuídas a fontes opostas, são eficazes de modo diverso. Se for avaliado logo após a captação da mensagem, o material atribuído a uma fonte credível provoca uma mudança de opinião significativamente maior do que o atribuído a uma fonte pouco credível.
Se a avaliação for feita após um certo espaço de tempo, entra em cena o efeito latente e a influência da credibilidade da fonte considerada como não sendo digna de crédito diminui, à medida que se esbate a imagem da própria fonte e a sua não-credibilidade, permitindo assim uma maior apreensão e uma maior assimilação dos conteúdos.
O problema da credibilidade da fonte não diz respeito à quantidade efetiva da informação recebida, mas à aceitação das indicações que acompanham essa informação.
b) A ordem da argumentação
Tem por objetivo estabelecer se, numa mensagem bilateral, isto é, que contém argumentos pró e contra uma determinada posição, são mais eficazes as argumentações iniciais a favor de uma posição ou se são mais eficazes as argumentações finais de apoio à posição contrária.
Efeito primacy, se verifica uma maior eficácia dos argumentos iniciais.
Efeito recency, são mais influentes os argumentos finais.
Pretende-se, determinar se são mais eficazes os argumentos que aparecem na primeira ou na segunda posição, numa mensagem onde os aspectos pró e contra estão igualmente presentes.
Se se manifesta uma influência diferente associada à ordem de apresentação dos argumentos a favor ou contra uma determinada conclusão, essa influência correlaciona-se com numerosas outras variáveis que, por vezes, é difícil conseguir explicitar devidamente.
c) A integralidade das argumentações
Tipo de pesquisa mais famoso neste âmbito específico. Trata-se de estudar o impacte que provoca a apresentação de um único aspecto ou, pelo contrário, de ambos os aspectos de um tema controverso, com o objectivo de modificar a opinião da audiência.
Uma pesquisa de Hovland – Lumsdaine – Sheffield (1949a) tem como finalidade especificar a forma de persuasão mais adequada para convencer os soldados americanos de que a guerra, sobretudo na frente do Pacífico, seria prolongada por mais algum tempo, antes da queda definitiva do Eixo.
A mensagem confirma que a guerra será longa e dura, tendo, contudo, em consideração os fatores positivos da situação americana relativamente à japonesa.
d) A explicitação das conclusões
Saber se uma mensagem que fornece explicitamente as conclusões a quem pretende persuadir, será mais eficaz do que uma mensagem que fornece essa conclusões de uma forma implícita e deixa que sejam os destinatários a extraí-las.
Os estudos acerca da forma da mensagem mais adequada para fins persuasivos, salientam que a eficácia da estrutura das mensagens varia, ao variarem certas características dos destinatários, e que os efeitos das comunicações de massa dependem essencialmente das interacções que se estabelecem entre esses factores.
1.4. A abordagem empírica de campo ou “dos efeitos limitados”
A perspectiva que caracteriza o início da pesquisa sociológica empírica sobre as comunicações de massa diz globalmente respeito a todos os mass media do ponto de vista da sua capacidade de influência sobre o público. Nesta questão geral está, contudo, já inserida a atenção à capacidade diferenciada de todos os mass media que exercem influências específicas. O problema fundamental continua a ser o dos efeitos dos meios de comunicação, mas já não se coloca nos mesmos termos das teorias anteriores.
Se a teoria hipodérmica falava de manipulação ou propaganda, e se a teoria psicológica-experimental tratava de persuasão, esta teoria fala de influência e não apenas da que é exercida pelos mass media, mas da influência mais geral que “perpassa” nas relações comunitárias e de que a influência das comunicações de massa é só uma componente, uma parte.
Esta teoria situa-se num contexto social claramente de tipo administrativo e está sempre atenta à dimensão prático-aplicável dos problemas investigados.
O “coração” da teoria sobre os mass media ligada à pesquisa sociológica de campo consiste em associar os processos de comunicação de massa às características do contexto social em que esses processos se realizam.
1.4. 1. As pesquisas sobre o consumo dos mass media
Estudo de Lazarsfeld, Radio and Printed Page, analisa o papel desempenhado pela rádio em confronto com diversos tipos de público e revela um esforço constante para associar as características dos destinatários com as características dos programas preferidos pelo público e com a análise dos motivos pelos quais a audiência ouve certos programas e não ouve outros.
As ligações contínuas entre: a. a finalidade prática da pesquisa (saber por que motivo as pessoas ouvem certos programas), b. a sua relevância teórica (individualizar a melhor conceptualização dos problemas), c. a necessidade de uma metodologia adequada (delinear um projecto global da pesquisa, coerente com a base conceptual)
Três processos diferentes para se saber o que um programa significa para o público, que deveriam ser utilizados em conjunto:
Análise de conteúdo, características dos ouvintes e estudos sobre as satisfações.
A pesquisa que tem por objectivo o estudo do tipo de consumo que o público faz das comunicações de massa, apresenta-se, desde o início, como uma análise conceptualmente mais complexa do que um mero levantamento quantitativo. É impossível separar esse aspecto dos que lhe estão associados, e que são muitos, inclusive o dos efeitos. Para se descrever estes últimos, é necessário primeiro saber quem prefere um certo meio de comunicação e porquê.
Entre esses temas, considera-se, por exemplo, o problema da variação do consumo de comunicações de massa segundo as características do público, tais como a idade, o sexo, a profissão, a classe social, o nível de escolaridade, etc. Um outro aspecto muito analisado é a permanência, entre o público, de modelos de expectativas, preferências, avaliações e atitudes para com os mass media, de acordo com as características socioculturais que estruturam a audiência.
Para se compreender as comunicações de massa, é necessário centrar a atenção no âmbito social mais vasto em que essas comunicações operam e de que fazem parte.
1.4.2. O contexto social e os efeitos dos mass media
Shils e Janowitz (1948) salientam o aspecto fundamental que caracteriza este âmbito de estudos: a eficácia dos mass media só é susceptível de ser analisada no contexto social em que funcionam. Mais ainda do que do conteúdo que difundem, a sua influência depende das características do sistema social que os rodeia.
A teoria dos efeitos limitados deixa de salientar a relação causal direta entre propaganda de massas e manipulação da audiência para passar a insistir num processo indireto de influência em que as dinâmicas sociais se intersectam com os processos comunicativos. As pesquisas mais famosas e notáveis que expõem esta teoria nem sequer se dedicaram a estudar especificamente os mass media, mas fenômenos mais amplos, ou seja, os processos de formação de opinião, no seio de determinadas comunidades sociais.
Líderes de Opinião: Indivíduos muito envolvidos e interessados em determinado tema e dotados de maiores conhecimentos sobre ele.
Esses líderes representam a parcela de opinião pública que procura influenciar o resto do eleitorado e que demonstra uma capacidade de reacção e de resposta mais atentas aos acontecimentos da campanha presidencial.
Os líderes de opinião constituem, assim, o setor da população mais ativo na participação política e mais decidido no processo de formação das atitudes de voto.
O efeito global da campanha presidencial na sua totalidade procede em três direções:
um efeito de activação (que transforma as tendências latentes em comportamento de voto efetivo), um efeito de reforço (que preserva as decisões tornadas, evitando mudanças de atitudes) e um efeito de conversão (limitado, no entanto, pelo fato de as pessoas mais expostas e atentas à campanha eleitoral serem também as que já têm atitudes de voto bem estruturadas e consolidadas, ao passo que as que estão mais indecisas e dispostas a mudar são também aquelas que menos “consomem” a campanha eleitoral).
O fluxo da comunicação a dois níveis (two-step flow of communication) é determinado precisamente pela mediação que os líderes exercem entre os meios de comunicação e os outros indivíduos do grupo.
Mas os líderes de opinião e o fluxo comunicativo a dois níveis são apenas um dos processos de formação das atitudes do indivíduo dentro de relações estáveis de grupo: um outro processo é o da cristalização (ou emersão) das opiniões.
Os efeitos dos mass media não podem ser compreendidos senão a partir da análise das interacções recíprocas que se estabelecem entre os destinatários: os efeitos dos mass media são parte de um processo mais complexo que é o da influência pessoal. Verificou-se assim uma inversão total de posições em relação à teoria hipodérmica inicial.
A natureza da influência pessoal, que é diferente da natureza da influência interpessoal dos mass media, motiva a sua eficácia que resulta do fato de estar inextrincavelmente ligada à vida do grupo social e nela enraizada.
Se a comunicação de massa depara, inevitavelmente, com o obstáculo da exposição e percepção seletivas, a comunicação interpessoal, pelo contrário, ostenta um maior grau de flexibilidade perante as resistências do destinatário. Se a credibilidade da fonte se reflete na eficácia de urna mensagem persuasiva, é provável que a fonte impessoal dos mass media se ache em desvantagem em relação às fontes, essas bem conhecidas, que são próprias das relações interpessoais; por outro lado, enquanto uma mensagem da campanha eleitoral é entendida como sendo destinada a um objetivo preciso, a influência que resulta das relações interpessoais pode estar (ou parecer) menos ligada a finalidades específicas de persuasão. É este o carácter particular da influência pessoal (Lazarsfeld – Berelson – Gaudet, 1944) que a coloca em vantagem em relação à eficácia dos mass media, limitando assim os efeitos destes.
Merton tenta descrever articuladamente a estrutura de influência e os seus líderes, numa determinada comunidade, relativamente ao consumo de comunicações de massa.
A análise qualitativa das pessoas influentes baseia-se no tipo de tendência que esses líderes revelam em relação à comunidade onde operam ou, então, em relação a contextos sociais mais amplos.
Mas o líder de opinião de tipo local exerce a sua influência em diferentes áreas temáticas; é, como Merton diz, polimorfo. Uma tendência oposta caracteriza o líder cosmopolita. Qualitativo e seletivo na rede das suas relações pessoais, viveu grande parte da sua vida fora da comunidade onde chegou quase como um “estrangeiro”; é, no entanto, dotado de competências específicas e, por conseguinte, de autoridade que exerce, de preferência, em áreas temáticas particulares. Não só consome géneros mais “elevados” de comunicações de massa como as funções a que esse consumo obriga são diferentes das do líder local, que baseia, em grande parte, a sua influência no fato de ser conhecido um pouco por todas as pessoas da comunidade. A complexa análise de Merton destinou-se a explicar como a tendência fundamental dos processos de influência pessoal se consolida na estrutura social, mesmo que não seja automaticamente motivada por ela.
Para se poder estudar o peso e a função da comunicação de massa na estrutura de influência pessoal, é preciso “completar as análises feitas em termos de “atributos pessoais” dos destinatários com as análises das suas “funções sociais” e das suas implicações relativamente às redes de ligações interpessoais” (Merton, 1949a, 207).
Neste quadro, a capacidade de influência da comunicação de massa limita-se, sobretudo ao reforço de valores, comportamentos e atitudes mais do que a uma capacidade real de os modificar ou manipular (Klapper, 1960).
Se, por um lado, no estudo de Merton, se salienta que o processo de influência pessoal decorre também horizontalmente, por outro, estudos posteriores admitiram a probabilidade de as cadeias de influência serem mais longas e organizadas do que a hipótese inicial do fluxo a dois níveis poderia fazer pensar.
Na teoria dos efeitos limitados, há um outro aspecto a realçar, a hipótese do fluxo comunicativo a dois níveis pressupõe uma situação comunicativa caracterizada por uma baixa difusão de comunicações de massa, bastante diferente da de hoje.
O modelo da influência interpessoal destaca, por um lado, o carácter não linear do processo pelo qual se determinam os efeitos sociais dos mass media e, por outro, a selectividade inerente à dinâmica comunicativa.
1.4.3. Retórica da persuasão ou efeitos limitados?
O segundo e o terceiro modelos de pesquisa sobre os mass media (psicológica experimental e sociológica de campo) têm por objetivo verificar empiricamente a consistência e o alcance dos efeitos que as comunicações de massa obtêm. Os resultados são opostos.
Na realidade, a diversidade das conclusões oculta um fator crucial no estudo dos processos de comunicação: a situação comunicativa.
Hovland (1959), observa que o diferente relevo que as duas abordagens conferem aos efeitos obtidos pelos mass media, está associado às características de cada um dos métodos de investigação. Há certos elementos, que definem o processo comunicativo, que mudam significativamente de uma situação para a outra. Por exemplo, a própria definição de exposição à mensagem é diferente.
Uma segunda e importante diferença entre os dois métodos diz respeito ao tipo de tema ou de assunto em relação ao qual se avalia a eficácia dos mass media.
Enquanto a pesquisa experimental tende, pela sua própria estruturação, a realçar as ligações causais diretas entre duas variáveis comunicativas, em prejuízo da complexidade própria da situação de comunicação, a pesquisa de campo aproxima-se mais do estudo naturalista dos contextos comunicativos e está mais atenta à multiplicidade dos factores que se verificam simultaneamente e às correlações existentes entre eles, sem poder, contudo, estabelecer de um forma eficaz, laços causais precisos.
A definição da situação comunicativa acaba, pois, por ser uma variável relevante na focalização de certos elementos e não de outros, no processo de comunicação de massa, mas a indicação preciosa de Hovland parece não ter sido considerada adequadamente, mesmo em períodos posteriores da communication research.
O modo de pensar o papel da comunicação de massa parece estar, portanto, estreitamente ligado ao clima social que caracteriza um determinado período histórico: às modificações desse clima correspondem oscilações no comportamento acerca da influência dos mass media.
1.5. A teoria funcionalista das comunicações de massa
Simboliza o desmentido mais explícito do lugar-comum segundo o qual a crise doutrinária do setor é devida essencialmente à indiferença, ao desinteresse, à separação entre teoria social geral e communication research.
A teoria funcionalista dos mass media constitui essencialmente uma abordagem global aos meios de comunicação de massa no seu conjunto; é certo que as suas articulações internas estabelecem a distinção entre gêneros e meios específicos, mas acentua-se, significativamente, a explicitação das funções exercidas pelo sistema das comunicações de massa. É este o aspecto em que mais se distancia das teorias precedentes: a questão de fundo já não são os efeito, mas as funções exercidas pela comunicação de massa na sociedade.
A teoria funcionalista das comunicações de massa representa um momento significativo da transição entre as teorias precedentes sobre os efeitos a curto prazo e as hipóteses posteriores sobre os efeitos a longo prazo, embora o quadro teórico geral da referência destas últimas seja bastante diferente
Na evolução geral do estudo das comunicações de massa, a teoria funcionalista ocupa uma posição muito precisa que consiste na definição da problemática dos mass media a partir do ponto de vista da sociedade e do seu equilíbrio, da perspectiva do funcionamento do sistema social no seu conjunto e do contributo que as suas componentes (mass media incluídos) dão a esse funcionamento. Já não é a dinâmica interna dos processos comunicativos que define o campo de interesse de uma teoria dos mass media, é a dinâmica do sistema social e o papel que nela desempenham as comunicações de massa.
Antes de analisar as funções dos mass media, é necessário expor sinteticamente a teoria sociológica geral de referência.
1.5. 1. A posição estrutural-funcionalista
A teoria sociológica do estrutural-funcionalismo salienta a ação social (e não o
comportamento) na sua adesão aos modelos de valores interiorizados e institucionalizados. O sistema social na sua globalidade é entendido como um organismo cujas diferentes partes desempenham funções de integração e de manutenção do sistema. O seu equilíbrio e a sua estabilidade provêm das relações funcionais que os indivíduos e os subsistemas activam no seu conjunto.
A lógica que regulamenta os fenômenos sociais é constituída por relações de funcionalidade que presidem à solução de quatro problemas fundamentais que todo o sistema social deve enfrentar:
1. a manutenção do modelo e o controlo das tensões (cada sistema social possui mecanismos de socialização que ativam o processo através do qual os modelos culturais vêm a ser interiorizados na personalidade dos indivíduos);
2. a adaptação ao ambiente (para sobreviver, cada sistema social deve adaptar-se ao seu ambiente social).
3. a perseguição do objetivo (cada sistema social tem vários objetivos a alcançar, necessitando de trabalho cooperativo para serem realizados).
4. a integração (as partes que compõem o sistema devem estar interligadas. Deve existir fidelidade entre os elementos de um sistema e fidelidade ao próprio sistema no seu conjunto).
Quando se afirma que a estrutura social resolve as questões relativas aos imperativos funcionais, pretende dizer-se que a acção social conforme as normas e aos valores sociais contribui para a satisfação das necessidades do sistema. Na solução dos imperativos funcionais superintendem diferentes subsistemas.
Um subsistema específico é composto por todos os aspectos da estrutura social que são importantes relativamente a um dos problemas funcionais fundamentais.
Atribuir funções a um subsistema significa que a ação que está de acordo com essas funções tem determinadas consequências que o sistema social no seu conjunto pode observar de uma forma objetiva.
Parsons: A sociedade é analisada como um sistema complexo, que tende para a manutenção do equilíbrio, composto por subsistemas funcionais, cada um dos quais se antepõe à solução de um dos problemas fundamentais do sistema na sua integralidade.
1.5.2. As funções das comunicações de massa
Um exemplo claro e explícito da teoria funcionalista dos mass media é constituído por um ensaio de Wright, onde descreve-se uma estrutura conceptual que deveria permitir inventariar, em termos funcionais, as ligações complexas que existem entre os mass media e a sociedade.
O “inventário” das funções relaciona-se com quatro tipos de fenômenos comunicativos diferentes: a. a existência do sistema global dos mass media numa sociedade; b. os tipos de modelos específicos de comunicação ligadas a cada meio de comunicação particular (imprensa, rádio, etc.); c. a ordem institucional e organizativa em que os vários mass media operam; d. as consequências que derivam do fato de a principal actividade de comunicação se desenvolver através dos mass media.
Em relação à sociedade, a difusão da informação desempenha duas funções: perante ameaças e perigos imprevistos, oferece a possibilidade de alertar os cidadãos; fornece os instrumentos para se executar certas atividades cotidianas institucionalizadas na sociedade, como, por exemplo, as trocas econômicas, etc.
Em relação ao indivíduo, e no que diz respeito à “mera existência” dos meios de comunicação de massa, ou seja, independentemente da sua ordem institucional e organizativa, são indicadas três outras funções:
a. a atribuição de posição social e de prestígio às pessoas e aos grupos que são objeto de atenção por parte dos mass media;
b. o reforço do prestígio daqueles que se identificam com a necessidade, e o valor socialmente difundido, de serem cidadãos bem informados.
c. o reforço das normas sociais, isto é, urna função de carácter ético.
A exposição a grandes quantidades de informação pode provocar a chamada “disfunção narcotizante”
Se se passar da análise funcional dos mass media, avaliados independentemente de serem parte da estrutura social e econômica, para a análise da ordem institucional e proprietária dos próprios meios, individualizam-se outras funções como, por exemplo, a de contribuírem para o conformismo.
Uma outra função é explicitada por Melvin de Fleur (1970) que particulariza a capacidade de resistência do sistema dos mass media aos ataques, às críticas e às tentativas de elevar a baixa qualidade cultural e estética da produção de comunicações de massa.
A crítica culturológica e estética aos mass media parece, portanto, uma arma embotada, dado que as relações de funcionalidade dentro do sistema dos meios de comunicação e entre este e os outros subsistemas sociais se consolidam a nível econômico e ideológico.
Essa teoria representa um dos momentos conceptualmente mais significativos da communication research.
Uma abordagem funcionalista não “morre” completamente suplantadas por outros paradigmas, antes se prolonga até aos dias de hoje.
1.5.3. Dos usos como funções às funções: a hipótese dos uses and gratifications
Se a ideia inicial da comunicação como geradora de uma influência imediata, numa relação estímulo/reacção, é suplantada por uma pesquisa mais atenta aos contextos e às interacções dos receptores e que descreve a eficácia da comunicação como resultado global de múltiplos factores, à medida que a abordagem funcional se enraíza nas ciências sociais, os estudos sobre os efeitos passam de pergunta “o que é que os mass media fazem às pessoas?” para a pergunta “o que é que as pessoas fazem com os mass media?”.
A mudança de perspectiva baseia-se no pressuposto de que, normalmente, mesmo a mensagem do mais potente dos mass media não pode influenciar o indivíduo que não faça uso dela no contexto sociopiscológico em que vive. (Katz, 1959, 2).
A influência das comunicações de massa permanecerá incompreensível se não se considerar a sua importância relativamente aos critérios de experiência e aos contextos situacionais do público.
O receptor é também um iniciador, quer no sentido de originar mensagens de retorno, quer no sentido de pôr em prática processos de interpretação com um certo grau de autonomia. O receptor “age” sobre a informação que está à sua disposição e “utiliza-a” (McQuail, 1975, 17).
No processo da comunicação, tanto o emissor como o receptor são parceiros ativos.
É importante salientar este aspecto porque permite esclarecer uma dupla importância da hipótese dos “usos e satisfações”: por um lado, essa hipótese insere-se na teoria funcionalista dos mass media, prosseguindo-a e constituindo o seu desenvolvimento empírico mais consistente; por outro, insere-se o movimento de revisão e de superação do esquema informacional da comunicação.
Historicamente, podem identificar-se três precedentes teóricos que antecipam a elaboração da hipótese dos “usos e satisfações”.
O primeiro é um estudo de Waples, Berelson e Bradshaw, de 1940, sobre a função e os efeitos da leitura.
A leitura tem uma influência social desde que vá de encontro aos pedidos de determinados grupos de uma forma que incide sobre as suas relações com outros grupos sociais (1940, 19).
Uma segunda pesquisa, que segue esta mesma linha, é o trabalho de Berelson, de 1949, sobre as reações dos leitores de diários durante uma greve de jornais em Nova lorque: as funções desempenhadas pela imprensa e que são citadas pelos leitores como as mais importantes, são: a. informar e fornecer interpretações sobre os acontecimentos; b. constituir um instrumento essencial na vida contemporânea; c. ser uma fonte de descontracção; d. Conferir prestígio social; e. ser um instrumento de contacto social; f. constituir uma parte importante dos rituais da vida quotidiana. O terceiro precedente que antecipa a hipótese dos “usos e satisfações” é a análise de Lasswell, de 1948, sobre as três funções principais desempenhadas pela comunicação de massa: a. fornecer informações; b. fornecer interpretações que tornem significativas e coerentes as informações; c. exprimir os valores culturais e simbólicos próprios da identidade e da continuidade sociais. Wright (1960) acrescentará a estas três funções fundamentais uma quarta função: a de entreter o espectador, fornecendo-lhe um meio de se evadir das ansiedades e dos problemas da vida social.
A linha comum destes trabalhos é associar o consumo, a utilização e os efeitos dos mass media à estrutura de necessidades que caracteriza o destinatário.
Katz, Gurevitch e Haas (1973) distinguem cinco classes de necessidades que o mass media satisfazem: a. necessidades cognitivas (aquisição e reforço de conhecimentos e de compreensão); b. necessidades afetivas e estéticas (reforço da experiência estética, emotiva); c. necessidades de integração a nível da personalidade (segurança, estabilidade emotiva, incremento da credibilidade e da posição social); d. necessidades de integração a nível social (reforço dos contatos interpessoais, com a família, os amigos, etc.); e. necessidades de evasão (abrandamento das tensões e dos conflitos).
O contexto social em que o destinatário vive pode, nomeadamente, relacionar-se com o tipo de necessidades que favorecem o consumo das comunicações de massa.
Para além da ligação entre categorias de necessidades e modalidades de consumo dos mass media, o elemento característico dessa hipótese é considerar o conjunto das necessidades do destinatário como uma variável independente para o estudo dos efeitos. A hipótese dos “usos e satisfações” articula-se em cinco pontos fundamentais:
1. a audiência é concebida como ativa;
2. no processo de comunicação de massa, grande parte da iniciativa de relacionar a satisfação das necessidades com a escolha dos mass media, depende do destinatário;
3. os mass media competem com outras fontes de satisfação de necessidades.
4. muitos dos objetivos da utilização dos mass media podem conhecer-se através de dados fornecidos pelos destinatários;
5. os juizos de valor acerca do significado cultural das comunicações de massa deveriam ser suspensos até as tendências da audiência serem analisadas nos seus próprios termos (Katz – Blumer – Gurevitch, 1974, 21).
Passando à discussão, em síntese, de alguns aspectos importantes da hipótese sobre “usos e satisfações”, pode observar-se, em primeiro lugar, que ela implica uma deslocação da origem do efeito do conteúdo da mensagem para todo o contexto comunicativo.
O significado do consumo dos mass media não se pode demonstrar apenas pela análise do seu conteúdo ou por parâmetros sociológicos tradicionais segundo os quais o público é descrito. Alguns dos motivos que levam ao consumo de comunicações de massa “não implicam nenhuma inclinação para a fonte representada pela emissão; têm significado apenas no mundo individual do sujeito que faz parte do público” (McQuail, 1975, 155).
A atividade selectiva, e interpretativa, do destinatário, baseada sociologicamente na estrutura das necessidades do indivíduo, passa a constituir parte estável do processo comunicativo, formando uma das suas componentes não elimináveis. Esse aspecto, porém, representa uma dificuldade que a hipótese dos “usos e satisfações” tem ainda de superar: a sua proposta de considerar a audiência como parceiro ativo do processo de comunicação, subentende que a utilização dos mass media está orientada para um fim, é uma atividade racional de perseguição de um objetivo que é a escolha do melhor meio para a satisfação de uma necessidade.
Na realidade, porém, o fato de existir grande diferença entre a descrição que os indivíduos fazem do seu consumo e o seu real consumo dos mass media e o fato de o consumo televisivo ser uma questão de disponibilidade e não de seleção, desmentem a ideia de uma audiência ativa, que age em função de um objetivo, e a ideia das necessidades e das satisfações como variáveis que explicam efectivamente a diversidade no consumo de comunicações de massa. A disponibilidade não diz respeito a tudo o que é proposto por todos os meios de comunicação; está limitada pela capacidade e pela possibilidade efetivas de a eles ter acesso. Por outro lado, essa capacidade e essa possibilidade estão ligadas às características pessoais e sociais do destinatário, à sua habituação e familiaridade com um determinado meio, à competência comunicativa deste.
Um último aspecto a merecer algum comentário diz respeito ao problema das alternativas funcionais. Os mass media não são a única fonte de satisfação dos vários tipos de necessidades sentidas pelos indivíduos; pelo contrário, de vez em quando, a comunicação de massa é utilizada como recurso, na ausência de alternativas funcionais mais adequadas. Todavia, é necessário ter em conta que estas não são equivalentes nem todas igualmente acessíveis ou significativas.
Pelo menos na sua versão inicial, a hipótese dos “usos e satisfações” tende a acentuar uma imagem da audiência como conjunto de indivíduos separados do contexto e do ambiente sociais que, pelo contrário, molda as suas próprias experiências e, por isso, as necessidades e os significados atribuídos ao consumo dos vários gêneros comunicativos.
Trata-se de uma abordagem tanto mais atenta aos aspectos individualísticos quanto mais voltada está para os processos subjectivos de satisfação das necessidades. Abordagem que “situa erradamente o ponto fundamental da determinação de um comportamento social, deslocando-o das propriedades do todo social (sistema ou subsistema, grupo ou subgrupo) para as propriedades autodefinidas dos elementos que
constituem esse todo” (Sari, 1980, 433).
Os últimos desenvolvimentos teóricos da hipótese dos “usos e satisfações» encaminharam-se para a correção ou, pelo menos, para a atenuação deste elemento, completada pela consideração dos efeitos que os modelos dos “usos e satisfações”, por sua vez, provocam no sistema dos mass media. Rosengren (1974) esboça o padrão deste tipo de pesquisa, distinguindo as suas variáveis fundamentais.
No entanto, em destaque o fato de a hipótese dos “usos e satisfações” ter tido, sobretudo, o mérito de acelerar o obsoletismo do modelo comunicativo informacional, por um lado, e de fixar a teoria funcionalista à pesquisa empírica, por outro. Ultrapassada por uma diferente orientação teórica a respeito do problema dos efeitos, a hipótese dos “usos e satisfações” diminuiu, pouco a pouco, a intensidade do seu “sucesso” próprio e entrou nas fileiras das aquisições já “clássicas” da communication research.