Introdução
O homem… Portador da mais perfeita “máquina” criada, o corpo humano. Se o estudo biológico das atividades fisiológicas humanas é algo complexo, apesar de ser concreto, imagine então a dificuldade encontrada para realizar um estudo de sua mente, suas atitudes, ações, organização. Quando nos referimos a um estudo da mente humana, sugerimos uma passagem para a área do enigma, mistério, questionamentos do consciente e subconsciente, onde lidamos com abstrações, simbologias, teorias, análises, pontos de vista e expressão…
Existe um tipo específico de ciência que realiza esse estudo, a ciência humana, e, a partir desse momento, você é convidado a descobrir sua história, origem, desenvolvimento, crises, percebendo que o estudo do conhecimento humano chega a ser tão complexo como sua própria mente.
Ciências Humanas
Apesar de toda ciência ser humana, por possuir relação com o conhecimento humano, as Ciências Humanas diferem-se por apresentarem o ser humano como objeto de estudo. Ideologia recente, visto que anteriormente ao século XIX, esse tipo de estudo era feito através da Filosofia. Para conseguir manter uma elevada concretibilidade e respeitabilidade científica, as ciências humanas procuraram executar o estudo de seu objeto através de conceitos, técnicas e métodos propostos pelas ciências naturais, que explicam com comprovações o funcionamento universal, através de matemática, química, física, biologia, etc…
Porém, a dificuldade de realizar uma adaptação e transposição integral e concreta dos métodos científicos naturais para um estudo onde o homem é o objeto de pesquisa, fez com que as ciências humanas tivessem que trabalhar analogicamente, com as ciências naturais. Esse método mais vago e pouco preciso de argumentações fez com que os resultados obtidos fossem pobres no sentido científico e, devido a isso, muito contestados. Esse fato originou uma grande dúvida, por parte de cientistas e filósofos, da possibilidade de existir uma ciência que possui o homem como objeto de estudo.
Dentre as objeções e contestações criadas a partir dessa situação, os que se opunham a esse estudo possuíam dificuldade em aceitar uma ciência onde seus experimentos poderiam ser fragmentados e estudados especificamente por ciências que já existiam (por exemplo, consciência humana individual poderia ser estudada pela psicologia; sociedades pela sociologia; épocas e acontecimentos passados, pela história). Outro fator contestado foi a incompatibilidade em estabelecer leis objetivas (uma das propostas científicas) para fatores tão universais, particulares e únicos, atribuídos aos humanos, como o psiquismo, a sociedade humana, os fatos históricos… Temas esses que, segundo os cientistas e filósofos, não poderiam ser analisados e sintetizados. Diziam também que é impossível atribuir explicações científicas a algo tão contingente, como o homem, que age por liberdade. Estabeleceu-se então um paradoxo nesse tipo de estudo científico, uma vez que, para criar uma análise objetiva de algo, é necessário purificar e desatrelar o objeto de estudo de qualidades sensíveis, opiniões e sentimentos, dados afetivos e valorativos. E a subjetividade é justamente a característica do homem. É um paradoxo tentar transformar esse estudo em objetividade, sem destruir a principal característica humana. Uma grande barreira de dúvidas, questionamentos e adversidades foi formada.
Mesmo com o fato da concepção de ciências humanas ser algo recente, a percepção da diferenciação do homem e das coisas naturais é antiga. Através disso, entre o século XV e início do século XX, houve três maneiras diferentes de realizar-se a investigação humana:
Período do humanismo: Os adeptos a esse período não separavam o homem da natureza, mas o consideravam como ser natural diferenciado dos demais, por ser racional, livre, desenvolvedor de conceitos éticos, políticos, técnicos e artísticos. Iniciou-se com a idéia renascentista do homem como centro do Universo, posteriormente sendo visto como agente moral, político e técnico-artístico, destinado a dominar e controlar a natureza e sociedade. Através de suas técnicas e instituições sociais, ele progride e aperfeiçoa-se temporalmente, segundo uma idéia de civilização.
Período do positivismo: Iniciado com Augusto Comte, que propôs um estudo científico da sociedade humana, visto que o homem é um ser social, usando as técnicas e procedimentos das ciências naturais (proposta encontrada na descrição de ciência humana). Comte acreditava que a humanidade atravessa três etapas progressivamente. Iniciada pela mais fraca, a partir de superstições religiosas sem existência de estudos aprofundados e comprovações científicas (o senso comum), passando pela metafísica e teologia, onde um hábito de observação e contestação de mundo é formado, até atingirem o estágio final, a ciência positiva, que seria uma concretização do senso crítico, ou bom senso. Essa proposta de Comte, desenvolvida como ciência por Emile Durkhein, tornaria-se uma poderosa e influente corrente para as ciências humanas. O fato social deve ser tratado como um objeto de estudo através das ciências naturais.
Período do historicismo: Diferentemente dos outros períodos analisados, o historicismo insiste na diferença profunda entre homem e natureza, ciências naturais e humanas. As essências desses dois tipos de ciências são diferentes, visto que cada uma possui peculiaridades e características onde, a tentativa mistura-las em um único estudo, geraria uma contradição, anulariam-se (lembrando que esse foi um dos questionamentos aplicados por cientistas e filósofos às ciências humanas). Cada ciência deve possuir mecanismos e formas de estudo próprios, específicos.
Historicistas analisavam o fato humano como sendo histórico e temporal onde, através de um processo casual e universal, através de particularidades e valores, caminham em direção ao progresso.
Esse período histórico resultou em dois problemas sem solução: O relativismo (leis científicas possuem validade limitada a uma determinada época e cultura, não podem ser universalizadas. É o contexto de relatividade, onde nada seria absoluto, tratado por Albert Einstein) e a subordinação à uma Filosofia da história (para entender o ser humano e instituições socioculturais, o estudo científico deve subordinar-se a uma teoria geral da história, que considere cada formação sociocultural vista como uma “visão do mundo” particular).
Max Weber, sociólogo alemão, para escapar das conseqüências provocadas pelo período humanitista, fez a proposta de que as ciências humanas (sociologia e economia) trabalhassem com construções conceituais puras, que permite a compreensão e observação dos fatos particulares observáveis. A isso ele deu o nome de tipos ideais.
Procurando uma ruptura epistemológica (ramo da Filosofia que trata dos problemas filosóficos relacionados à crença e ao conhecimento) e uma revolução científica no campo da humanidade, três grandes correntes de pensamentos difundidas entre os anos 20 e 50 do século XX consolidaram as ciências humanas como uma ciência específica.
Contribuição da Fenomenologia
Trabalhando com um conceito que permite diferenciar uma realidade de outras, através de suas peculiaridades (sentido, forma, propriedades e origem), essa corrente de pensamento colaborou para a criação de uma diferenciação rigorosa entre a essência “natureza” e “homem”. Também fragmentou a essência “homem” em diversas essências, como social, histórico e cultural. Isso garante às ciências humanas a validade da existência de seus campos científicos próprios, como psicologia, sociologia, história, antropologia, linguística e economia. Cada uma responsável por especificar-se em um determinado fragmento da essência humana.
A perspectiva positivista diferencia-se da fenomenológica, essencialmente por a primeira, sinteticamente, considerar a ciência natural tendo como objeto o comportamento como um fato externo, observável e experimental, enquanto a segunda linha de raciocínio torna possível o psiquismo à partir do momento em que um conjunto de fatos internos e externos, ligados à consciência podem ser dotados de significação objetiva própria.
Ou seja, anteriormente à fenomenologia, as ciências humanas desfaziam seus objetos em um agregado de elementos da natureza diversos, estudando suas ligações externas para apresentar a explicação da lei de seu objeto investigativo.
Como mencionado anteriormente, sinteticamente, a fenomenologia garante às ciências humanas a existência e especificidade de seus objetos.
Contribuição do Estruturalismo
Permitiu a criação de métodos específicos para o estudo dos objetos das ciências humanas, distanciando-se das explicações mecânicas de causa e efeito mas, mesmo assim, evitando o abandono da ideia de lei científica. Ou seja, conseguiu estabelecer uma relação entre o estudo humano e científico através da fortificação de seus laços, analisando por um contexto mais amplo e aprofundado, suas peculiaridades, criando um comparativo. Através disso, essa corrente de pensamento mostrou que fatos humanos assumem a forma de estrutura, sendo uma totalidade dotada de sentido.
Um fato ocasionado deixa bem claro a diferenciação entre o estruturalismo e positivismo: Após, graças ao método estrutural, a antropologia social transformar-se, ela pode mostrar que, ao contrário do que diziam os positivistas, as “sociedades primitivas” não representavam uma etapa atrasada do desenvolvimento social humano, mas uma forma objetiva de organizar as relações sociais de modo diferente do nosso, constituindo estruturas culturais. A cultura das “sociedades primitivas” era própria, diferenciada, mas existente, podendo essas sociedades serem compreendidas e explicadas cientificamente.
Contribuição do Marxismo
Marxistas diziam que fatos humanos são instituições sociais e históricas produzidas por condições objetivas onde ação e pensamento humano devem realizar-se, relacionando-se com a natureza na luta pela sobrevivência. Relações essas de trabalho, que originou as primeiras instituições sociais: família, pastoreio e agricultura, e troca e comércio.
Pode-se criar um comparativo entre as ideias marxistas e as teorias evolucionistas de Charles Darwin, a lei da seleção natural, onde o mais adaptado sobrevive. Darwin analisou as espécies e concluiu, através da análise de fenótipos e genótipos, que as mais desenvolvidas e adaptadas possuíam maior chance de sobrevivência, dependendo do contexto onde estavam inseridas. Jogando isso ao conceito de marxismo, seria como uma “seleção natural psicológica e de trabalho”, onde o pensamento, capacidade e conhecimento humano adapta-se de acordo com as necessidades, contextos, situações. O homem adapta-se, evoluiu para conseguir sua sobrevivência. Os mais adaptados e evoluídos conseguem o domínio.
Primeiras instituições sociais são econômicas, mantidas através de ideias, sentimentos, valores, símbolos, aceitos por todos, justificando ou legitimando as instituições assim criadas e através da criação de instituições de poder, que sustentam as relações sociais, ideias, valores, símbolos produzidos.
Marxismo estabelece a compreensão do plano psicológico e social humano, plano econômico, instituições sociais e políticas, entendendo o conjunto de ideias e práticas produzidas por uma sociedade.
Com isso, compreendeu-se que mudanças históricas são decorrentes de lentos processos sociais, econômicos e políticos, baseados na forma assumida pela propriedade dos meios de produção e pelas relações de trabalho.
Sintetizando e relacionando as três correntes de pensamento abordadas, a fenomenologia definiu e delimitou os objetos de estudo das ciências humanas, o estruturalismo permitiu uma metodologia que chega às leis dos fatos humanos sem a necessidade de imitar ou copiar procedimentos das ciências naturais; e o marxismo permitiu a compreensão de que fatos humanos são historicamente determinados, e que através da historicidade é possível a interpretação racional deles e conhecimento de suas leis.
Isso permitiu demonstrar que fenómenos humanos são dotados de sentido e significação, são históricos, possuem leis próprias, diferenciam-se dos fenómenos naturais, e podem ser tratados cientificamente.
Através da fragmentação da “essência homem”, pela fenomenologia, enriquecidos pelas ideias de estruturalismo e marxismo, podemos atribuir campos de investigação às ciências humanas:
Psicologia: Estudo das estruturas de desenvolvimento das operações e perturbações da mente humana; comportamentos humanos e animais; relações intersubjetivas dos indivíduos em grupo e sociedade.
Sociologia: Estudo das estruturas, instituições e relações sociais, suas transformações.
Economia: Estudo das condições materiais de produção e reprodução de riqueza, suas formas de distribuição, circulação e consumo; estudo das estruturas produtivas segundo critério da divisão social de trabalho, forma da propriedade, regras de mercado e ciclos econômicos. Estuda também a origem, desenvolvimento, crises, transformações e reprodução das formas econômicas e meios de produção.
Antropologia: Estuda estruturas e formas culturais em sua singularidade, e as comunidades ditas como “primitivas”.
História: Estuda a criação, origem, desenvolvimento das formações sociais em seus aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais. Estuda as relações entre os fatores citados e a transformação social. A sociedade transforma-se, influenciadas por esses fatores, para que possa adaptar-se às novas realidades. Transforma-se também como resultado e expressão de conflitos, lutas e contradições internas às forças sociais. História estuda também os diferentes suportes de memória coletiva (documentos, monumentos, pinturas, fotografias, filmes, etc).
Linguística: Estuda estruturas de linguagem como sistema dotado de princípios internos de funcionamento e transformação. Estuda as relações entre língua (estrutura) e fala, palavra (uso da língua pelos falantes), e a relação entre linguagem e outros sistemas de signos e símbolos de comunicação.
Psicanálise: Estuda a estrutura do funcionamento do inconsciente, relacionado com o consciente. Estuda patologias e perturbações inconscientes e suas expressões conscientes.
É importante a reflexão e observação de que cada uma das ciências humanas subdivide-se em vários ramos, definidos pela especificidade de seus objetos e métodos. Porém, apesar das especificidades de cada ciência, elas atingem seu melhor resultado e desempenho, quando trabalhadas interdisciplinarmente.
Os desenvolvimentos da linguística, antropologia e psicanálise possibilitaram o surgimento de uma nova disciplina científica, a semiologia, responsável pelo estudo de diferentes sistemas de signos utilizá-los para as várias formas de comunicação.
Como notamos nesse breve resumo histórico da análise do pensamento e conhecimento humano, sua amplitude, complexidade e abstração originaram diversas técnicas, ciências, estruturas e ideologias para seu estudo. Mas já dizia Sócrates: Só sei que nada sei. A sociedade e as ciências estão em constante evolução e transformação para, cada vez mais aproximar-se de respostas para diversos questionamentos. Esses questionamentos são como um ponto de fuga ao horizonte onde, por mais que você corra em direção a ele, não conseguirá atingi-lo. Isso não é algo negativo, pois serve como incentivo para que cada vez mais nos dediquemos para saber mais do que sabíamos há um mês, um dia, uma hora, um minuto, um segundo atrás. Futuramente, novas ideologias, ciências e técnicas para estudo da mente humana serão originadas, tentando alcançar respostas para questionamentos que não possuem fim. Podemos não estar onde desejamos, juntos ao ponto no horizonte, mas estamos bem além, distantes de onde estávamos. E isso sempre será uma conquista.